Ele acordou e estava em um lugar diferente mais uma vez.
Já havia se mudado tantas vezes que já não fazia mais diferença, tendo sua solidão e seu silêncio de companhia se sentia em casa em qualquer lugar.
Tinha chegado na cidade no dia anterior, a cidade onde nasceu e passou sua infância. Por muitos anos teve que viver se mudando por conta dos seus pais e isso fez com que já estivesse em várias cidades e estados diferentes. Orgulhava-se de não ter criado vínculo em nenhum desses lugares.
Nunca gostou muito de pessoas, sempre as achou estúpidas e perversas demais, não acreditava na humanidade e evitava ao máximo qualquer tipo de aproximação, tinha alguns amigos mas até pra eles não tinha mais tanta paciência. Ele tinha ciência que o problema era com ele, mas a verdade é que ele não se importava de ser assim.
Já havia se apaixonado uma vez, em um dos lugares em que teve que viver, talvez o lugar onde passou mais tempo, chegaram a namorar por um tempo e foi um dos únicos períodos da sua vida onde pode experimentar a sensação de ser feliz. O namoro durou por algum tempo, mas por causa das mudanças que era obrigado a fazer e a distância, o namoro acabou e com ele um dos únicos motivos que fazia com que se sentisse vivo. Pensava que talvez, por esse motivo, evitava criar laços.
Na madrugada ela acorda. Os pensamentos retornam e já não consegue mais dormir. Andando pela cozinha se lembra do cigarro que comprou a algumas semanas. Ela vai até a sacada da sua varanda e do alto só consegue ver silêncio. Pensou nas pessoas que vivem naquela rua. Será que são felizes, será que sabem o que são felicidade?
Desde que se lembrava foi obrigada a conviver com a sua confusão interna. Tentava entender o mundo, estudava astrologia, magia, acreditava nas forças ocultas e era apaixonada pelo o universo e na possibilidade de coisas que poderia descobrir sobre ele.
Gostava de observar as pessoas, achava incrível o funcionamento do corpo, e as diferentes formas de se relacionar, se encantava com a quantidade de sentimentos que alguém podia carregar consigo. Sempre teve muitos amigos e gostava de ouvi-los, por algum motivo que não entendia era procurada por eles quando queriam conselhos e desabafar.
Tentava entender o universo, as pessoas, o mundo, mas não era capaz de se entender.Era uma pessoa engraçada, que gostava da vida, mas a confusão interna era sua angústia. Nunca conseguiu compreender o porquê de sentir o peito tão vazio.
Era feita de extremos e esses extremos sempre estiveram caminhando juntos. Se amava alguém, às vezes odiava na mesma proporção, por mais que soubesse que tinha muitas coisas boas na sua vida se sentia inútil e não merecedora delas. Nunca aceitava elogios por também não achar merecer. Sentia incessante necessidade de mudança, mas nunca conseguia mudar.
Mas uma vez ele acordou e dessa vez na madrugada, odiava acordar na madrugada, pois sabia que não conseguiria mais dormir e uma das coisas que mais gostava na vida, era dormir.
Pegou a garrafa de alguma bebida que estava pela metade na geladeira e resolveu ir até sua varanda pra ver se o sono voltava. A bebida era ruim, difícil de se conseguir beber, e quando já estava indo pro seu segundo copo ouviu uma voz vindo da varanda em frente.
- Hey! Você que é o vizinho novo né? Não sabia que tinha gente morando nessa casa novamente. Tava fechada há tanto tempo!
Ótimo! A única coisa que eu queria era um pouco de silêncio, será que era tão difícil assim? Ele pensou enquanto olhava pra sacada em frente.
- Sim, sou eu. Ele respondeu.
- Você já está aqui há quanto tempo? - Cheguei no sábado passado.
- Ah sim.. Perdeu o sono também? - Sim.
- Você não fala muito né?
- Não.. é, desculpa, eu tenho que entrar agora.
- Ah não! - A moça disse num tom de decepção.
- Olha, na real, eu não tô afim de conversar, só vim pra cá porque queria um pouco de silêncio, o que claramente não encontrei.
- Ok. Me desculpe, não precisa entrar por minha causa, eu já estou indo dormir. Boa noite! - disse ela.
As semanas seguintes tinham sido difíceis para os dois, ela tinha se apaixonado mais uma vez e mais uma vez se decepcionado. Cada vez que isso lhe acontecia se fechava mais até que dessa vez resolveu que ia se fechar de vez.
Ele não conseguia mais dormir direito, alguma coisa lhe angustiava desde que chegou naquela cidade. Ficava inquieto e a insônia se tornava cada vez frequente. Começou a sentir que precisava de algo, mas não sabia o que era. Ou sabia, mas só queria ignorar e não conseguia.
Ela sempre estava ali, todos os dias, quase que na mesma hora da madrugada, mas nunca mais falou nada, talvez não queria o incomodar e nesses últimos dias quem precisava de silêncio era ela. Todos os dias acordava praticamente no mesmo horário e não conseguia mais pegar no sono. Sempre na mesma sacada ficava olhando o escuro até seu corpo congelar, pois era a dor ajudava a esquecer por alguns minutos.
Os dois sempre ficavam ali parados em silêncio, cada um com seus caos. Nunca se falavam, mas à medida que os dias passavam começaram a sentir que estavam conectados de alguma forma mesmo que isso não fizesse muito sentido pra nenhum deles.
Mas uma noite chegou e dessa vez quem resolveu romper o silêncio foi ele.
- Oi. é… você está bem? É que eu vi que você estava chorando ontem, eu só queria saber se.. se você estava bem.
- Tô sim, desculpa se meu choro interrompeu seu precioso silêncio.
- É, sobre isso.. eu gostaria de pedir desculpas. Eu reconheço que fui meio rude, é que eu realmente não sou bom em lidar com as pessoas.
- É.. eu percebi. - Respondeu sarcasticamente.
- Eu sou um idiota na verdade, mas às vezes acabo passando um pouco dos limites. Me desculpe pela forma com que falei com você…
- Tudo bem, eu desculpo, mas só se você me der um pouco dessa sua bebida. Ela disse apontando pra garrafa na mão do rapaz.
- Ah, mas você não vai querer beber, o gosto é muito ruim, sério!
- Ah, eu acho que vou sim. Eu posso ir ai? - É.. tá. Tudo bem.
Terminou o cigarro que acabara de acender e em alguns minutos estava atravessando a rua em direção a casa dele.
- Eu posso entrar? - Sim.. claro! - Ele responde meio sem jeito.
- Qual seu nome? -Perguntou ela. - Raul. E o seu?
- Prazer em conhecê-lo novamente Raul, meu nome é Sofia. Será que posso provar? - disse ela estendendo a mão na direção da garrafa na mão dele.
Ele entregou a bebida observando a sua reação. Sofia bebeu um gole e automaticamente fez uma cara feia xingando um ou dois palavrões.
- Esse troço é muito ruim! - Eu avisei! - Respondeu Raul tentando não rir.
- Mas eu vou beber mesmo assim, afinal vim aqui pra isso né?
Durante as duas horas seguintes os dois conversaram sobre muitas coisas aleatórias, Sofia falou sobre astrologia, fotografia e sobre sua vontade de viajar o mundo. Raul quase não falava sobre si, mas gostava de ouvir a moça e se pegava interessado demais nas coisas que ela dizia, o que lhe assustava um pouco.
- Raul, qual o seu signo? Espera, vou tentar adivinhar! Você é Touro… ou aquário?
- Eu acho que sou touro, na verdade nunca liguei pra essas coisas. Como você adivinhou? - Pelo seu jeito. Respondeu ela. Sei lá, você parece ser uma pessoa que não quer ser. Eu sei que te conheço há pouco tempo, e te achava um babaca até poucas horas atrás, mas conversando com você eu percebi que você é um cara legal. Desculpa, eu sempre sou evasiva demais. Desculpa mesmo…
- Tudo bem, talvez você tenha razão. Desde que eu me lembro sou assim, pra falar a verdade nunca fui de importar muito com nada, talvez eu não goste de ser quem eu sou mais também não vejo motivos pra ser diferente. Mas e você? Qual seu signo? - Disse tentando mudar um pouco o assunto.
- Eu sou Sagitariana de carteirinha! -Disse com entusiasmo. - Sagitário é um dos signos mais loucos do zodíaco.
- Ah, isso eu percebi! -Raul disse tentando provocar a moça que logo respondeu com pequenos socos no seu braço.
Apesar do gosto ruim a bebida estava quase no fim e a madrugada estava mais fria do que de costume. As horas se passaram rapidamente, mas eles nem perceberam.
- Desculpa te perguntar isso, mas porque você estava chorando aquele dia? Você agora me parece ser uma pessoa tão feliz e, no entanto, quando você só estava ali parada na sua varanda nas últimas semanas me parecia tão triste.
- É que pra falar a verdade eu não sei o que acontece comigo… Eu tenho muitos amigos, tenho um emprego legal, boa família… Mas eu não consigo me achar merecedora dessas coisas, porque mesmo tendo tudo isso eu me sinto vazia. Eu sinto que não sou útil pras pessoas, pro mundo, pra mim… É difícil explicar. - disse tomando o último gole da garrafa.
- Olha moça, eu sei que você deve se sentir assim e que isso tem um peso enorme pra você, mas quando cheguei aqui eu não me importava com nada, não sorria há anos, e desde que começamos a conversar eu comecei a me sentir estranhamente feliz e um monte de coisas voltou a fazer sentido pra mim. Então, mesmo que você diga que se sente inútil, saiba que o que fez por mim, mesmo sem perceber.
- Você acredita em destino Raul?
- Hoje eu passei a acreditar. Disse com um leve sorriso no rosto.
Bruna Lucena
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